Rate this item
(0 votes)
Solicitantes do auxílio emergencial fazem fila em frente à Caixa em São Gonçalo, no Rio de Janeiro Solicitantes do auxílio emergencial fazem fila em frente à Caixa em São Gonçalo, no Rio de Janeiro

Fim do auxílio emergencial pode atrasar recuperação econômica

By Publicado Setembro 06, 2020

Apesar de benefício ter garantido renda mínima aos mais pobres durante pandemia não foram suficientes para impulsionar a economia. Sem programa, desigualdade e pobreza devem aumentar.

Distribuído desde abril, o maior experimento de transferência de renda da história do Brasil, o auxílio emergencial, já tem data para acabar. Em dezembro, o governo pagará a última parcela, pondo fim a uma política pública cara, mas que se mostrou poderosa para reduzir a pobreza e incentivar a economia em meio à pandemia do coronavírus.

O Palácio do Planalto torce para que o impacto do fim do auxílio seja minimizado pela recuperação da economia. Mas a recessão profunda, a falência de empresas e a falta de controle sobre a pandemia deve atrasar a retomada. Por isso, o término do auxílio deve levar milhões de brasileiros de volta à pobreza e retardar ainda mais a recuperação econômica, segundo especialistas ouvidos pela DW Brasil.

O benefício de 600 reais, que chega a 1,2 mil reais para mães solteiras, começou a ser pago em abril para um período inicial de três meses. Em junho, foi alongado por mais dois meses. Nesta quinta-feira (03/09), o governo publicou uma medida provisória prorrogando a transferência por mais quatro meses, até o final do ano, e reduzindo a parcela mensal a 300 reais.

A renda básica alcançou, em julho, 50,7% das famílias do país, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Naquele mês, 107,11 milhões de pessoas moravam em domicílios com pelo menos uma pessoa recebendo a transferência de renda. Entre os 10% mais pobres, o auxílio chegou a 86,6% dos brasileiros, e no Norte e no Nordeste cerca de 60% dos domicílios o recebem.

A despesa com programa é alta. Com parcelas de 600 reais, o auxílio custa R$ 50 bilhões por mês, vinte vezes mais que o Bolsa Família, colocando pressão sobre o equilíbrio público. O Ministério da Economia estima que o Brasil terá neste ano um déficit primário de R$ 866 bilhões, o maior de sua história, que só foi possível graças à suspensão do teto de gastos pelo estado de calamidade pública.

Dúvidas sobre a retomada

Se foi eficiente para garantir uma renda mínima aos mais pobres, o governo não teve o mesmo sucesso para apoiar pequenas empresas, que respondem por mais da metade dos empregos formais do país, nem para conter a disseminação da covid-19, deixando o final da pandemia para fora do horizonte, afirma o sociólogo Rogério Barbosa, pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole da USP. Como resultado, o auxílio acabará antes que as pessoas possam trabalhar como faziam antes.

"A massa de rendimentos do trabalho teve uma queda gigantesca, seja porque as pessoas perderam o emprego ou porque estão trabalhando menos horas. A recuperação da economia será lenta, e quando o auxílio acabar, as pessoas ainda não terão condições de retomar ao seu nível de renda pré-pandemia", diz.

Ele compara o auxílio emergencial a uma "fina camada de proteção" contra uma realidade social e econômica muito ruim. "Não é que o futuro será tenebroso. O presente já está tenebroso, mas temporariamente protegido por causa do auxílio", diz.

O governo anunciou que criaria um novo programa de transferência de renda ao final do auxílio emergencial, chamado Renda Brasil, que seria uma versão ampliada Bolsa Família e com novos critérios para definir o valor do benefício.

No projeto de Orçamento de 2021 enviado ao Congresso, porém, não há verba para criar um novo programa do tipo, e o montante reservado para o Bolsa Família foi elevado em 18% em comparação ao que havia sido previsto para este ano, para R$ 34,8 bilhões.

Com o fim do auxílio, as famílias terão rendimentos mais baixos e consumirão menos, o que significará menos faturamento para as empresas e menos estímulo a investimentos, diz Débora Freire, economista do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"Estamos com um nível de desemprego muito alto e com companhias em situação debilitada, já que as políticas de auxílio às empresas não foram tão exitosas como o auxílio emergencial. O fim do auxílio emergencial deve atrasar ainda mais a recuperação econômica, atrasando também a retomada dos empregos", diz.

Estimativas do impacto

Cálculo feito por Barbosa e seu colega Ian Prates, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), indica que, se o auxílio emergencial fosse interrompido sem nem outro programa no lugar, o número de brasileiros pobres, com renda menor que um terço do salário mínimo per capita, chegaria a 30% da população, ou 63 milhões de pessoas. É um número muito superior ao percentual de brasileiros que eram atendidos pelo Bolsa Família antes da pandemia, que chegava a 13,5% das famílias.

Eles também calcularam o impacto do fim do auxílio emergencial na desigualdade, medida pelo índice de Gini — quanto mais próximo de 1, mais desigual é a distribuição de renda. O Gini do Brasil em 2019 foi de 0,54. Neste ano, sem o auxílio, seria de 0,57. Devido à renda emergencial, está em 0,49.

Barbosa estima que, no ano que vem, com do fim o auxílio emergencial, o índice deve ficar um pouco abaixo de 0,57. E que a lenta trajetória de recuperação da economia tenderá a reproduzir a desigualdade, com os mais ricos recuperando seu nível de renda primeiro e os mais pobres, por último.

Outra estimativa sobre os efeitos do fim do auxílio emergencial foi feita pelo economista Daniel Duque, pesquisador da FGV-IBRE. Ele calculou qual seria a renda do brasileiro em janeiro de 2021, comparada a junho deste ano, em um cenário sem o auxílio, mas com um Renda Brasil de orçamento superior a R$ 50 bilhões.

O resultado é que, para os 10% mais pobres, a renda per capita seria de R$ 61, 77% menor do que a de junho deste ano, considerando que as demais rendas permaneçam estáveis. Para a faixa da população entre os 10% e 20% mais pobres, a renda per capita seria de R$ 235, 38% menor do que a de junho.

"Sem recuperação do mercado de trabalho de forma bem distribuída, a renda dos mais pobres cairá muito nos próximos meses, com redução e fim do auxílio. Mesmo com um Renda Brasil bem desenhada e de orçamento superior a R$ 50 bilhões", afirma Duque.

Uma prévia do impacto do fim do auxílio será sentida já a partir de setembro, quando as transferências serão reduzidas a 300 reais, diz Barbosa. "O efeito do auxílio cairá drasticamente, o que deve ser sentido inclusive na popularidade do presidente", afirma.

Segundo ele, manter o auxílio em 600 reais com a abrangência atual seria "insustentável", mas a decisão do governo de simplesmente reduzi-lo à metade e extingui-lo a partir de dezembro não foi a mais acertada.

"Nossa forma de combate à pandemia é muito pouco baseada em evidências e planejamento. Não há medidas de transição do auxílio para algo novo, e não há um sistema de políticas de combate à pandemia que olhe para aspectos econômicos e de saúde de forma integrada. É como se fosse um auxílio emergencial sem combater a emergência", diz.

Ele considera a proposta do governo de aumentar no próximo ano o orçamento do Bolsa Família em 18% tímida, pois o próprio programa já atende um número insuficiente de pessoas e paga um benefício médio abaixo do adequado. Segundo Barbosa, o número de famílias inscritas no programa parou de crescer em 2014, apesar de a pobreza ter subido desde então, e o valor do benefício médio, em termos reais, atingiu seu ápice em agosto de 2014.

"Desde lá, o benefício médio perdeu mais de 20% do seu poder de compra. Esse aumento de 18% apenas repõe parte do valor médio. E o número de 15 milhões de famílias que o governo pretende alcançar [com o Bolsa Família] em 2021 ainda está muito aquém do tanto que a pobreza aumentou", diz.

Para Freire, do Cedeplar, o aumento do Bolsa Família sugerido pelo Palácio do Planalto também é insuficiente. "É pouco, contribuirá para que a recuperação seja muito lenta. Vamos lembrar que estamos numa crise dentro de outra crise, o primeiro trimestre de 2020 já foi de retração", afirma.

via DW Brasil.

Read 652 times Last modified on Domingo, 06 Setembro 2020 01:21
Login to post comments

Baixe nosso aplicativo:


Nosso contato

Rua Mercúrio, 39 , Jardim Acacia
Feira de Santana, BA 44004-280
Brasil
Mobile: +5511920178207
www.radiovivaaorei.com.br

Nossa missão

  • Levar a Palavra de Deus ao seu coração